Introdução
“O Gambito da Rainha”, a aclamada minissérie da Netflix, não é apenas uma história cativante sobre uma jovem prodígio do xadrez; é um estudo de caso fascinante sobre o comportamento humano. Através da lente da Análise Comportamental (AC), podemos desconstruir a jornada de Beth Harmon, interpretada brilhantemente por Anya Taylor-Joy, entendendo como suas ações, vícios e conquistas são moldadas por contingências ambientais, reforçadores e punições.
Este artigo visa explorar os principais conceitos da AC presentes na série, tornando-os acessíveis tanto para estudantes de psicologia quanto para o público em geral, sem jargões excessivos e com exemplos vívidos da trama.
Modelagem e Reforçamento: Construindo uma Prodígio

O desenvolvimento de Beth como enxadrista em “O Gambito da Rainha” é um exemplo clássico de modelagem e reforçamento:
O Reforço Positivo Inicial: A Descoberta do Xadrez
A primeira experiência de Beth com o xadrez, ensinada pelo zelador Sr. Shaibel no porão do orfanato, é crucial. O jogo em si, com suas regras complexas e a necessidade de estratégia, torna-se um poderoso reforçador positivo intrínseco.
A cada nova peça aprendida e movimento dominado, Beth experimenta um senso de realização que a impulsiona a continuar. É interessante saber que se Beth não tivesse descido no porão e se interessado pelo jogo, ela poderia não ser essa grande enxadrista que conhecemos hoje.
Modelagem por Observação: Aprendendo com o Mestre
Em “O Gambito da Rainha” Sr. Shaibel não apenas introduz Beth ao xadrez, mas também age como um modelo. Ao observar seus movimentos, estratégias e a própria dedicação ao jogo, Beth aprende por imitação (modelação). Além disso, aprende com reforço diferencial por aproximações sucessivas, processo cujo chamamos de modelagem.
Exemplo: Quando o zelador ensina Beth a realizar o Mate do Pastor.
Reforço Social: O Reconhecimento como Combustível
À medida que Beth começa a vencer partidas, primeiro contra Sr. Shaibel e depois em torneios, o reconhecimento social se torna um reforçador extrínseco poderoso. Os elogios, os troféus e a admiração dos outros validam suas habilidades e incentivam-na a buscar níveis ainda maiores de excelência.
Prática Deliberada: O Motor da Maestria
A obsessão de Beth com o xadrez a leva a praticar incessantemente. Seja jogando partidas reais, estudando livros de estratégia ou visualizando jogos no teto de seu quarto, ela se dedica à prática deliberada. Este tipo de prática, focada em áreas específicas de melhoria e com feedback constante, é essencial para o desenvolvimento de habilidades complexas.
Esquemas de Razão: A prática intensa de Beth pode ser vista como um esquema de razão. Quanto mais ela pratica, maior a probabilidade de sucesso e, consequentemente, de reforço.
Feedback Imediato: O xadrez oferece feedback imediato e claro sobre o desempenho. Cada movimento, cada captura e cada partida fornecem informações valiosas que permitem a Beth ajustar suas estratégias e aprimorar suas habilidades.

O Vício em Tranquilizantes: Uma Análise Comportamental Aversiva

Em O Gambito da Rainha, o vício de Beth em tranquilizantes é um exemplo trágico de como o reforçamento negativo pode levar a comportamentos destrutivos:
Reforço Negativo e Fuga da Ansiedade
Origem no Orfanato: A administração regular de tranquilizantes no orfanato estabelece uma forte associação entre a droga e a supressão de sentimentos negativos, como ansiedade, solidão e o trauma da perda de sua mãe.
Padrão de Fuga: O uso de tranquilizantes torna-se um comportamento de fuga, permitindo que Beth escape da pressão e da ansiedade associadas às competições, às expectativas e aos desafios de sua vida pessoal.
Condicionamento Pavloviano: Gatilhos do Desejo
Estímulos Condicionados: O som do frasco de pílulas, a visão do comprimido e até mesmo o ambiente do orfanato tornam-se estímulos condicionados, eliciando o desejo pela droga.
Generalização: A necessidade de tranquilizantes se generaliza para outras situações de estresse, como a pressão de um torneio importante ou a solidão em um quarto de hotel, ampliando o ciclo de dependência.
O Ciclo Vicioso do Vício
Na série O Gambito da Rainha, é retratado como o vício de Beth cria um ciclo vicioso:
Estresse: Beth enfrenta um evento estressante (uma partida difícil, uma crise pessoal).
Ansiedade: A ansiedade se intensifica, tornando-se aversiva.
Uso de Tranquilizantes: Beth usa tranquilizantes para aliviar a ansiedade (reforço negativo).
Consequências Negativas: O uso de tranquilizantes leva a problemas de saúde, isolamento social e dificuldades em manter relacionamentos saudáveis.
Aumento do Estresse: As consequências negativas aumentam o estresse, perpetuando o ciclo.
Controle de Estímulos: Dividindo a Realidade

O controle de estímulos é evidente na forma como Beth divide sua vida em dois mundos distintos:
O Mundo do Xadrez: Foco e Disciplina
Estímulos Discriminativos: O tabuleiro, as peças, o silêncio da sala de competição e a presença do oponente atuam como estímulos discriminativos, sinalizando a oportunidade de aplicar suas habilidades e obter reforço.
Comportamentos Associados: Neste ambiente, Beth exibe comportamentos de foco, disciplina, estratégia e pensamento analítico.
O Mundo do Vício: Caos e Descontrole
Estímulos Discriminativos: A ausência de supervisão, a disponibilidade de álcool e tranquilizantes, e a presença de pessoas que reforçam o uso de drogas atuam como estímulos discriminativos para comportamentos autodestrutivos.
Comportamentos Associados: Neste ambiente, Beth exibe comportamentos de impulsividade, isolamento, negligência com sua saúde e dificuldades em manter relacionamentos.
Você pode gostar de Round 6: Uma Análise Behaviorista
Autocontrole e a Busca por um Novo Caminho

A Importância do Apoio Social
Quebra do Isolamento: A reaproximação de Beth com seus amigos do orfanato e com Harry Beltik representa uma tentativa de exercer autocontrole, buscando fontes alternativas de reforço e apoio social.
Modelos Positivos: O apoio e a orientação de figuras como Harry e sua mãe adotiva, Alma, fornecem modelos positivos de comportamento e estratégias de enfrentamento saudáveis.
Respostas Incompatíveis: Substituindo o Vício
Foco no Xadrez: A dedicação renovada ao estudo do xadrez, ao invés de depender das drogas para melhorar seu desempenho, atua como uma resposta incompatível, competindo com o comportamento de uso de drogas.
Estilo de Vida Saudável: A adoção de hábitos mais saudáveis, como exercícios físicos e sono regular, contribui para a redução do estresse e da ansiedade, diminuindo a necessidade de tranquilizantes.
A Conquista do Autocontrole
A cena final de O Gambito da Rainha, onde Beth escolhe jogar xadrez em um parque na Rússia, cercada por pessoas que a admiram e apoiam, simboliza sua conquista do autocontrole. Ela encontra reforçadores sociais e intrínsecos no xadrez, substituindo a necessidade de substâncias externas para validar seu valor e encontrar satisfação.
Conclusão
O Gambito da Rainha é uma poderosa ilustração de como os princípios da Análise Comportamental podem nos ajudar a entender a complexidade do comportamento humano. O Gambito da Rainha demonstra como o reforçamento, a punição, o controle de estímulos e a modelagem moldam nossas escolhas e influenciam nosso desenvolvimento. Ao examinar a vida de Beth Harmon através desta lente, podemos obter insights valiosos sobre a natureza da maestria, do vício e da capacidade humana de superação.
Esta análise comportamental não apenas enriquece nossa apreciação em “O Gambito da Rainha” mas também nos lembra da importância de criar ambientes que promovam comportamentos saudáveis e de oferecer apoio para aqueles que lutam contra o vício e outros desafios.
Perguntas Frequentes
Como a Análise Comportamental pode ser aplicada a “O Gambito da Rainha”?
Podemos usar os princípios da AC para analisar como as experiências de Beth Harmon, como o aprendizado do xadrez, o uso de tranquilizantes e seus relacionamentos, moldaram seu comportamento e desenvolvimento ao longo da série.
Por que a Análise do Comportamento é útil para entender o vício de Beth?
A AC oferece uma perspectiva valiosa sobre o vício, enfatizando como o reforçamento negativo (alívio da ansiedade) e o condicionamento pavloviano (associação com estímulos) contribuem para a manutenção do comportamento aditivo.